SALVO SE – EXCETO SE

Propus à minha queridíssima aluna e amiga Érica Portas o desafio de falar sobre as construções EXCETO SE e SALVO SE. Colocadas normalmente no plano das locuções conjuntivas condicionais, essas estruturas têm, inegavelmente, um comportamento diferente daquele verificado nos outros componentes desse grupo. A Érica, para a nossa felicidade, aceitou o desafio, fez um estudo minucioso e nos brindou com uma verdadeira aula! Fiquem com ela.

 

No que tange às orações subordinadas adverbiais condicionais, podemos dizer que são introduzidas por conjunções ou locuções conjuntivas, que, além de transpor as cláusulas ao papel de advérbio, oferecem-lhes uma semântica condicional. No entanto, deveria haver uma análise cuidadosa em relação ao que se elenca como locução conjuntiva condicional e sua categorização semântica.

 

Segundo, Cunha e Cintra (2008), estariam no bojo das conjunções e locuções condicionais SE, CASO, CONTANTO QUE, SALVO SE, A MENOS QUE, DESDE QUE, A NÃO SER QUE, SEM QUE, DADO QUE. O Grande professor Adriano da Gama kury (1997) afirma que as orações condicionais são introduzidas por uma conjunção ou locução conjuntiva e inclui EXCETO SE ao conjunto de locuções descrito por Cunha e Cintra:

 

“Eles não prosseguirão nas obras [sem que o governo lhes pague].” (Ou então: “a não ser que o G. lhes pague”, “a menos que o G. lhes pague”, “salvo se o G. lhes pagar”, “exceto se o G. lhes pagar.)”

 (KURY, 95,1997)

 

Neste artigo, propomos um olhar diferenciado sobre as chamadas, pelas gramáticas, locuções conjuntivas condicionais, pois defendemos, aqui, que as construções EXCETO SE E SALVO SE não pertencem ao plano das locuções.  Esse não pertencimento se dá pelo fato de que, nessas construções, ocorrem processos sintáticos distintos daqueles que ocorrem nas verdadeiras estruturas locucionais – QUE SE DIVIDEM EM LOCUÇÕES: CONDICIONAIS TÍPICAS (DESDE QUE, CONTANTO QUE, DADO QUE), CONDICIONAIS-ADVERSATIVAS (A MENOS QUE, A NÃO SER QUE) E CONDICIONAIS-NEGATIVAS (SEM QUE).

 

O PROCESSO SINTÁTICO QUE OCORRE NESSAS LOCUÇÕES AS FAZ FUNCIONAR COMO UM BLOCO, UMA UNIDADE. DESSA FORMA, O VALOR SEMÂNTICO CONDICIONAL ESTÁ NA UNIDADE “DESDE QUE”, “CONTANTO QUE”, “DADO QUE”, DA MESMA MANEIRA QUE O SIGNIFICADO CONDICIONAL-ADVERSATIVO ESTÁ EM TODO O BLOCO “ A MENOS QUE”, “A NÃO SER QUE” E A CONDIÇAO NEGATIVA  EM “SEM QUE”.

 

 

EXEMPLOS: IREI À PRAIA A MENOS QUE CHOVA.

                     NÃO IREI À FESTA A NÃO SER QUE SEJA CONVIDADA.

 

No caso de SALVO SE e EXCETO SE, NÃO HÁ TAL UNIDADE, há formação de pares, JÁ QUE A SEMÃNTICA ADVERSATIVA É EXPRESSA PELOS ADVÉRBIOS E O SENTIDO CONDICIONAL PELA CONJUÇÃO SE.

 

EXEMPLOS: IREI À PRAIA EXCETO SE CHOVER.

                  NÃO IREI À FESTA SALVO SE ME CONVIDAREM

 

Percebamos que tanto não há uma unidade, MAS UMA AUTONOMIA, em “salvo se”, ”exceto se” que, se decidíssemos fazer uma substituição, usando uma oração adversativa, ela substituiria apenas os advérbios, sendo mantida AUTÔNOMA a oração condicional:

 

EXEMPLOS: IREI À PRAIA, MAS NÃO IREI SE CHOVER.

                     NÃO IREI À FESTA, MAS IREI SE ME CONVIDAREM.

 

DIFERENTEMENTE DO QUE ACONTECE COM A MENOS QUE, A NÃO SER QUE, CUJA SUBSTITUIÇÃO OCUPARIA O LUGAR DE TODO O BLOCO E PRECISARIA SER, AO MESMO TEMPO, FEITA POR UMA ORAÇÃO ADVERSATIVA E UMA CONDICIONAL, UMA VEZ QUE A UNIDADE E NÃO APENAS UMA PALAVRA QUE A COMPÕE EXPRESSA TAIS SEMÂNTICAS:

 

EXEMPLOS: IREI À PRAIA A NÃO SER QUE CHOVA.

                      IREI À PRAIA, MAS NÃO VOU SE CHOVER.

 

Frente ao exposto, é possível compreender que SALVO SE e EXCETO SEJAM CATEGORIZADOS COMO LOCUÇÕES POR UMA QUESTÃO APENAS DIDÁTICA, uma vez que não se comportam como uma estrutura locucional.

 

LOGO ABAIXO, TENTAMOS EXPLICAR, DE MANEIRA UM POUCO MAIS DETALHADA, OS PROCESSOS SINTÁTICOS QUE DIFERENCIAM AS LOCUÇÕES DE “SALVO SE” E “EXCETO SE”.

 

Elencado o que, para os gramáticos citados, seriam locuções conjuntivas condicionais, pretendemos, a partir deste ponto, explicar a formação de uma locução, a fim de confrontar a inclusão de “salvo se” e “exceto se” em tal categoria.

 

Ao contrário das estruturas nominais, que são exigidas pelo termo a que se ligam, as estruturas preposicionais não pertencem à valência da palavra com que se relacionam. Dessa forma,  “Em Maria chegava à escola às 14 horas”,  podemos dizer que  “Maria” e “a escola”, cujo escopo é o “chegava”, são estruturas nominais, pois fazem parte da valência verbal – Alguém chega a algum lugar- , ao passo que “às 14 horas” é uma estrutura preposicional, porquanto não é exigida pelo termo a que se liga, o verbo “chegar”, e é introduzida por preposição.

 

Assim, é possível compreender que as estruturas preposicionais são introduzidas por preposição e não são exigidas pelos vocábulos com que se relacionam. Como pudemos notar, tais construções são formadas “preposição+ palavra substantiva”, que funciona como seu núcleo, e, nesses casos, a preposição, a qual não faz parte da regência do léxico a que se liga, faz-se obrigatória, pois é ela que transpõe o substantivo à função acessória.

 

As palavras substantivas desempenham prototipicamente função integrante ou essencial. Todavia, desde que não exigidas e introduzidas por preposição, podem desempenhar função adjunta. Assim, temos os adjuntos adverbiais e os adnominais realizados, respectivamente, por locuções adverbial e adjetiva.

 

Exemplos:

 

  • Maria chegou à escola às 14 horas.
  • Comi bolo de banana.

 

Conforme já falamos, “às 14 horas” é uma estrutura preposicional, porquanto é introduzida por preposição e não é exigida pelo termo a que se liga. Observemos que o núcleo dessa estrutura é o substantivo “horas”; como as palavras substantivas devem construir estruturas cujo papel morfossintático seja argumental, isto é, exigido pelo termo com que se conecta, e, no caso analisado, a estrutura não desempenha essa função, ou seja, ocupa um papel não argumental, a preposição está ali transpondo o substantivo para a função de núcleo de adjunto adverbial.

 

A preposição “de” em “de banana” também é um instrumento transpositor, dado que “bolo” não rege complemento; logo, a preposição em análise, que não é exigida, tem a função de transpor o substantivo “banana” à função de adjunto, mas, diferentemente do exemplo 1, de adjunto adnominal.

 

Assim, é importante salientar que a locução tem como núcleo palavras substantivas que não exercem seu papel argumental, prototípico, e, amalgamadas à preposição que as introduzem, passam a funcionar como os advérbios ou adjetivos funcionariam.

 

Portanto, as locuções conjuntivas também se formam em torno de elemento substantivo ou uma construção de natureza substantiva e um transpositor, que pode ser uma preposição, um adjetivo ou um advérbio.

 

Pensemos na seguinte frase:

 

“Estudei para que passasse.”

 

Em “para que passasse’, tem-se uma locução prototípica. Essa cláusula se escopa na oração “estudei”, notemos que aquela oração não pertence à valência do verbo “estudar” – alguém estuda algo/ Alguém estuda. Logo, “para que passasse” ocupa uma função adjunta ao verbo, constituindo um adjunto adverbial.

 

Observemos que é possível fazer a seguinte substituição:

 

“Estudei para isso”.

 

Isso nos mostra que a oração “para que passasse” é de base substantiva. Dessa forma, como estrutura substantiva não pode ocupar função acessória, a preposição “PARA”, faz que a cláusula desempenhe função adjunta, constituindo uma oração subordinada adverbial de semântica final.

 

Assim, no caso das locuções conjuntivas em que não há uma palavra substantiva, há dois tipos de transposição: a que transforma a oração em substantiva, sendo, para isso, necessário um subordinante “que”, e a que transpõe, por meio de preposição, adjetivo ou advérbio, oração substantiva ao papel de adjunto. É o caso de  PARA QUE, DESDE QUE, CONTANTO QUE, AINDA QUE E OUTRAS.

 

Agora, se pensarmos em locuções como “À MEDIDA QUE”, notaremos que a preposição transpõe o SUBSTANTIVO MEDIDA + A ORAÇÃO ADJETIVA ao papel adjunto:

 

Engorda à medida que come.

 

Notemos que a oração “que come” ocupa função adjetiva em relação ao substantivo  “MEDIDA”. Nesse caso, a preposição transpõe toda a estrutura “A MEDIDA QUE COME”, DE BASE SUBSTANTIVA, a adjunto, consoante ocorre com “UM CARRO LINDO”  na frase “A moça saiu EM UM CARRO LINDO”, na qual a construção “EM UM CARRO LINDO”, não pertencendo à valência verbal, funciona como acessório devido à preposição “EM”, que transpassa o substantivo e seus acessórios UM e LINDO a adjunto adverbial.

 

Se nos atentarmos às construções “exceto se” e “salvo se”, notaremos que não há nelas uma locução, já que não há estrutura substantiva nessas constituições:

 

Irei à festa, exceto se Maria for.

 

A oração “se Maria for” se escopa na negação “EXCETO”, que, como substituto oracional, recupera negando, por meio de sua semântica adversativa, o conteúdo da oração anterior. Assim, temos:

 

Vou à festa, mas não vou se Maria for.

 

De acordo com o Professor Bechara, no que que tange a alguns advérbios, merece atenção o processo da antitaxe, que diz respeito ao fato de qualquer unidade de um plano gramatical poder ser retomada ou substituída por outra unidade. Assim, o exceto, tal qual o salvo, no contexto acima, comporta-se como substituto oracional.

 

Nesse sentido, ao ocupar o lugar da oração anterior, esses advérbios passam a funcionar como uma. Assim, “se Maria for” recai sobre o “exceto” e o “salvo”. Durante essa análise, fica claro que a cláusula introduzida pelo SE já desempenha função acessória, dado  que funciona como adjunto adverbial dos advérbios exceto e salvo.

 

O exceto e o salvo, sendo substitutos oracionais, não podem, na frase acima, desempenhar papel de transpositor, porquanto os transpositores não têm autonomia estrutural. Além disso, a oração “Maria for” já está sendo transposta a adjunto adverbial pela conjunção condicional “SE”,QUE NÃO PODERIA SER CONSIDERADA CONJUNÇÃO INTEGRANTE- CONECTIVOS INTRODUTORES DE ORAÇÕES SUBSTANTIVAS- HAJA VISTA O SEU VERBO NO FUTURO DO SUBSJUNTIVO. Assim, por já ser a oração “se Maria for” subordinada adverbial, não haveria motivos para formação de uma locução, já que a presença de uma estrutura substantiva é base do sintagma locucional, ou seja, forma-se locução quando é necessário usar substantivo em função adjunta.

 

Dessa maneira, não há relação de transposição entre o exceto/salvo e a oração introduzida pela conjunção adverbial SE, que, como transpositora, já põe a cláusula Maria for em função acessória.

 

Em a menos que, a não ser que, temos a estrutura substantiva na construção infinitiva “não ser” e no termo “menos”, os quais, acompanhados das orações que introduzem, são transpostos pela preposição “A” à função adjunta:

 

Irei à festa, a menos que Ana vá.

 

Irei à festa, a não ser que Ana vá.

 

Diferentemente do que acontece em “exceto se”, “salvo se”, em que a adversidade está nas negativas “salvo “ e “exceto” e a condição no “SE”, nas construções “ a menos que” e “a não ser que”, as semânticas adversativa e condicional se encontram no bloco estrutural, que se amalgamou graças ao processo locucional.

 

Portanto, deveria ser lançado um novo olhar acerca do conjunto das chamadas locuções conjuntivas condicionais. A conceituação de “exceto se” e “salvo se” como locução deveria ser revista a fim de uma categorização coerente. Ademais, seria interessante não colocar as locuções condicionais, conforme feito  pelo Professor Otton Moacyr Garcia (2006), em um mesmo bojo, porquanto temos condicionais-adversativas em “ menos que” , “a não ser que”, e  condicional negativa em “sem que”.

 

Segundo o Professor, as conjunções condicionais típicas são “SE” e “CASO”, as locuções “DADO QUE”, “CONTANTO QUE”, “DESDE QUE”, equivalem-se e, quando postas no indicativo, perdem o valor condicional e passam à semântica causal. Com valor negativo “SEM QUE” é sinônimo de “se não”, podendo ser substituída, nesse sentido, por “A MENOS QUE”: “NÃO IREI SEM QUE ME CONVIDEM”/ “NÃO IREI A MENOS QUE ME CONVIDEM.

 

Em relação às estruturas “A MENOS QUE” e “A NÃO SER QUE”, o autor afirma que ligam orações que se opõem: se uma é negativa, a outra será positiva; é importante destacar que nem sempre a ideia de negação será realizada pelo “não”. Ela pode sê-lo por outras maneiras: ninguém, nada, nenhum, palavras com prefixos negativos, privativos, opositivos, verbos ou nomes que indiquem privação, cessação, oposição, impedimento:

 

Ninguém irá a menos que/ a não ser que me convidem.

 

Deixarei de ir a menos que me/ a não ser que convidem.

 

Irei a menos que/ a não ser que me impeçam.

 

Irei a menos que/ a não ser que seja impossível.

 

Érica Portas do Nascimento

Doutoranda em Letras – UERJ

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1 Comment
  • Itamar Vieira Pinheiro
    Postado 18:13h, 20 julho Responder

    Cada um de nós cresce com qualquer pesquisa. No entanto, prefiro, pra efeito de concurso público, ficar com os nossos grandes mestres tradicionais!

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