Tema frequentemente relegado a abordagens reducionistas e improdutivas, o aposto tem sido uma das maiores vítimas de decorebas e clichês sofridos pelo estudo da Gramática em ambientes escolares. Não é nada raro encontrarmos um estudante que, vendo-se na necessidade de classificar um termo marcado por duas vírgulas, aposte cheio de certeza: Aposto!
Trata-se de fato revelador de uma cultura de ensino que, antes de ao contrário de propor reflexões sobre a língua, encarrega-se de ensinar macetes que, além de anestésicos do pensamento, não funcionam nas situações reais de uso e análise da língua. Assim, o aluno “aprende” que o aposto vem entre vírgulas e sai a classificar tudo aquilo que aparece entre vírgulas como aposto…
Há, é verdade, muitas ocorrências de aposto que serão marcadas por vírgulas, mas isso não significa que tudo que vier entre vírgulas será aposto, nem tampouco que todo aposto virá entre vírgulas!
Vamos, então, entender o que é um aposto. APOSTO é um elemento de natureza substantiva, que se refere a um outro elemento de natureza substantiva, sendo ambos os substantivos (tanto o aposto quanto o termo a que ele se refere) referentes, no contexto em que se situam, de um mesmo elemento do mundo real.
Faz-se necessário lembrar, ainda, que, do ponto de vista da estrutura sintática, o aposto não estabelece relação de subordinação com outros elementos da sentença.
Minha filha Maria ganhou dois presentes: um vestido e uma boneca.
No período simples acima, você perceberá facilmente que os elementos destacados não são necessários à completude da sentença. Seria sintaticamente plena a oração “Minha filha ganhou dois presentes.”.
Então, tendo em vista esse caráter “dispensável” à estrutura sintática, por que não podemos dizer que os elementos destacados seriam adjuntos nessa sentença? Simplesmente porque os adjuntos, como o próprio nome já indica, são marcados por uma relação de subordinação aos elementos a que referem. Veja que tanto “Maria” como “um vestido e uma boneca” são estruturas substantivas, as quais mantêm com os substantivos a que se referem, respectivamente “minha filha” e “dois presentes”, uma relação de equivalência (filha = Maria / presentes = vestido e boneca).
Tudo isso, a um só tempo, faz-nos descartar a ideia do adjunto e entender que se trata de aposições.
As subclassificações do aposto são determinadas pela semântica manifesta na sua relação com o substantivo a que se refere, havendo, pois, os seguintes tipos de aposto:
1) EXPLICATIVO ou IDENTIFICATIVO – Tem a função de explicar o substantivo a que se refere. Esse aposto virá, de fato, normalmente marcado por duas vírgulas, podendo também receber outras marcas de pontuação, tais como travessões ou parênteses.
Ex.: Maria, minha filha, enche a casa de alegria.
aposto explicativo
2) ENUMERATIVO – Como nos ensina o mestre Bechara (2000, p. 105), trata-se do aposto que “enumera as partes constitutivas de uma expressão anterior.”.
Ex.: Maria ganhou dois presentes: um vestido e uma boneca.
aposto enumerativo
Esse tipo de aposto também pode aparecer antes do substantivo a que se refere:
Ex.: Lápis, borracha, caderno, tudo estava sobre a mesa.
aposto enumerativo
Nesses casos, muitos manuais didáticos ainda ensinam que o termo “Lápis, borracha, caderno” seria sujeito da oração e classificam “tudo” como “aposto resumitivo”, o que não resiste a uma análise mais cuidadosa, uma vez que nos parece cristalino que a concordância do verbo é feita com o pronome indefinido “tudo”, o qual, exatamente por isso, é o sujeito!
O aposto explicativo e o enumerativo podem ser introduzidos por expressões como “a saber”, “isto é”.
3) DISTRIBUTIVO: Ocorre aposto distributivo, normalmente, em processos de retomada textual no interior da oração:
Ex.: Maria e Guilherme são surpreendentes: ele na afetuosidade, ela na autonomia.
aposto aposto
distributivo distributivo
Muitas vezes usamos nas aposições distributivas construções como “um” e “outro”, “este”, “esse” e “aquele”.
Acho válido falar ainda que, se essa retomada acontecer em uma outra estrutura oracional, os termos devem ser analisados dentro da estrutura a que pertencem.
Ex.: Guilherme e Maria são ótimas crianças. Ele é deveras afetuoso; ela surpreende por sua autonomia.
sujeito sujeito
4) ESPECIFICATIVO – Normalmente será um substantivo próprio (ou de valor semântico mais específico) que se refere a um substantivo mais genérico, de modo a especificá-lo.
Ex.: Minha filha Maria ganhou dois presentes.
aposto especificativo
Em construções como “Moro na cidade de Cabo Frio.”, há uma celeuma entre os teóricos. Alguns, orientados pelo fator estrutural, veem na presença da preposição uma marca de subordinação, a qual é incompatível com a natureza do aposto; desse modo, esses autores optam por entender a expressão “de Cabo Frio” como um adjunto adnominal, classificação que eu, pessoalmente, acho mais convincente. Outros estudiosos, no entanto, fundados no critério semântico, veem na identidade contextual entre Cabo Frio e cidade (cidade = Cabo Frio) elemento suficiente para entender “de Cabo Frio” como um aposto. Nesse caso, a preposição seria aí uma “palavra de realce” ou “expletiva”.
Se você está se preparando para concursos, não precisa ficar preocupado(a). Questões controversas como essa costumam ficar de fora dos certames. Eu já estou atuando há muitos anos na preparação de candidatos para concursos e nunca vi, nem nas bancas mais polêmicas, uma questão envolvendo esse tipo de aposto (ou de adjunto…).
5) CIRCUNSTANCIAL – Temos aí uma outra discussão… Trata-se de um aposto (?) que carrega consigo noções circunstanciais, como tempo, hipótese, concessão, causa. Você já deve estar sentindo um cheirinho adverbial aí, né?
Ex.: Vencedor, já não se lembra de que foi perdedor um dia.
aposto circunstancial ( = “Agora que é vencedor…”)
Os defensores da existência desse tipo de aposto afirmam que ele pode vir introduzido por expressão adverbial ou por preposição.
Ex.: Em mãe, faz o que em filha recriminava.
aposto circunstancial
Quando jovem, José fugia sempre se casa.
aposto circunstancial
É fato que muitos, inclusive eu, veem dificuldade em reconhecer a aposição nesses casos, seja pelo traço semântico circunstancial, mas – sobretudo – pela evidente relação de subordinação e pelo fato de tais expressões terem o verbo como foco de sua referência. Esses argumentos, além de tornarem pouco convincente o reconhecimento desses elementos como apostos, tendem a apontar para um caráter adverbial de tais estruturas.
Pelo seu caráter polêmico, esse tipo de aposto também não costuma figurar em provas de concursos públicos. A não ser que você esteja tentando ingresso em uma pós-graduação em Língua Portuguesa, momento em que você pode ser chamado a discorrer sobre esse tema…
6) APOSTO EM REFERÊNCIA A UMA ORAÇÃO INTEIRA – Trata-se de um aposto que se projeta não sobre um substantivo, mas sobre uma oração inteira.
Ex.: Maria acordou cedo, sinal de disposição.
aposto (refere-se à oração como um todo)
Os alunos não vieram à aula, o que deixou a professora bem chateada.
aposto (refere-se à oração anterior como um todo)
Como aposto de uma oração inteira, são comuns: 1) pronome demonstrativo (o) + oração adjetiva, como corre nesse exemplo aí acima, 2) substantivos como coisa, sinal, fato, motivo + expressão modificadora (adjetiva).
Como você pode ver, o aposto dá o que falar…
Quer ver um pouco mais? Temos um vídeo com uma questão sobre o aposto:
Eu fico por aqui!
Um beijo e até a próxima!
Prof.ª Dr.ª Patrícia Corado
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